16.4.08

Entrevista com Mautner


Essa é uma entrevista concedida a mim em janeiro de 2007 pelo músico Jorge Mautner, já postada no meu blog anterior e agora está nesse aqui. A quem possa interessar, boa leitura.

Segundo Marilena Chauí, o intelectual possui um perfil político (não partidário) e deve funcionar dentro de um contexto social moderno, partindo para a defesa de uma causa universal. Na condição de artista que normalmente toma a fala pública contra a ordem vigente, você se considera um intelectual?

Jorge Mautner: Veja bem, eu, em primeiro lugar, sou filho do Holocausto, então para mim tudo é política. Só que se trata de inventar um novo sistema político que acabe com as razões dos aflitos. Então o meu livro Deus da Chuva e da Morte, toda a minha obra escrita e musicada, as idéias, ela sempre procura essa unidade. Eu sou político engajado em todo o Partido Comunista. Estou em todos os movimentos da esquerda como o Pcentral com Mário Chamie em 1962. Então eu sou como Dostoievski. Otto Maria Carpeaux fala sobre Dostoievski. Ele diz: “Esse é o escritor político do começo ao fim, dos pés à cabeça”. Não é à toa que ele me influencia muito. Então, tudo o que eu fiz e faço é para transformar a sociedade ao redor e comunicar. Isso não quer dizer que eu ache que sejam políticos aqueles que não se consideram políticos. Está aí uma política nova que hoje tem vários nomes mas ela é sempre a democracia na verdade, embora… Eu entrei no Partido Comunista na época em que a Perestroika talvez tivesse dado certo, que era a época de Nikita Khrushchev. Já havia o policentrismo, Gramsci, e mais do que isso, o que me surpreendeu, porque até os círculos que me descobriram eram círculos que apoiavam o regime militar. Vicente Ferreira da Silva, a esposa dele, Dora Ferreira da Silva, que faleceu recentemente, Paulo Bonfim, Guilherme de Almeida e Câmara Cascudo. Então nós falávamos dia e noite. Daí eu conto no Filho do Holocausto. E depois em 62… eu já sabia do golpe em 63 mas isso é uma longa história que eu conto no meu próximo livro. Mas estou te contando isso porque todas as ligações sempre foram políticas. E o gozado é que tanto a turma, a primeira, do Diálogo n13, que é a turma dos filósofos Câmara Cascudo, Vicente Ferreira da Silva, Paulo Bonfim, Guilherme de Almeida, Dora, todo mundo, eles eram loucos porque eu tratava a minha literatura como mitologia. E quando eu cheguei no Partido Comunista, o Mário Chamie estava muito preocupado. Mas nem o Surrealismo, nem o Futurismo, nem o Expressionismo estariam à altura de expressar a revolução que o Marxismo propunha. Era preciso uma nova mitologia. Então tudo já existia na quarta dimensão do quanta. Muito antes da matemática se tornar fractal, caótica, física, meu pai me informou disso tudo. Qual foi a pergunta final?

Sendo um artista contra a ordem vigente, você se considera um intelectual?

Jorge Mautner: Ah, isso é importante. Não. Primeiro que eu não falo contra a ordem vigente, quanto mais que ela é democrática. Então a ordem vigente é a democracia. Eu acho que, ao contrário… Esse negócio surgiu no mundo moderno por uma extensão das palavras de Jesus que considerava todo mundo pelo perdão e ao contrário das pessoas fortes e saudáveis eram os portadores das necessidades especiais que eram chamados: “Bem aventurados os pobres de espírito e deles será o reino dos céus”. Ele inverteu tudo. Isso foi levado ao máximo na Revolução Francesa laicamente por Jean Jacques Rousseau, a invenção do Comunismo, da piedade e do terror, coisa que apavorava Aristóteles, a tragédia. Mas enfim, esse mundo ganhou. É a consideração de todo mundo, direitos humanos, a maioria vale pelo respeito pela minoria total. Isso são leis básicas da democracia. Mas acontece que, a partir de um determinado período, já na Revolução Francesa, em termos que dizia St. Juste: “A virtude sem o terror, ela é frágil. Não quer dizer nada. O terror sem a virtude é o crime”. Portanto, a revolução é a virtude com o terror. Mas isso se estendeu de uma maneira individual romântica de Nietzsche a Dostoievski, mas quem começou foi Edgar Allan Poe e Charles Baudlaire. É o namoro dos intelectuais artistas com o crime. Isso porque eles denunciavam a posição hipócrita do catolicismo. Dostoievski deixa claro isso no Grande Inquisitor, que o próprio Jesus é condenado. Estende-se a Jean-Paul Sartre que elege o ladrão, o criminoso Jean Genet como Saint Genet. Ele vira santo. Bom, esse namoro teria algum motivo pela denúncia à hipocrisia. Mas, mesmo assim, já estava errado ali. Hoje em dia não tem razão alguma. Ao contrário. É mais ainda. Está no cerne do pensamento anarquista. A Primeira Internacional era o poeta Heinrich Heine que não criticava o sistema cegamente. Ele era uma pessoa positiva. Eu vou chegar depois à minha visão de apoio a Castro Alves e a Olavo Bilac. Bakunini vai ser o líder e secretário geral da Segunda Internacional. Ele já entra com as correntes na prisão, era um cara de quase dois metros, e ele não falava nada. Era tudo a bomba. Era a ação destrutiva para começar tudo do marco zero. Essa loucura absoluta que oculta um Niilismo, né? E ele dizia, ele colocou bem claro isso, tudo que os outros que casaram em matrimônio com o crime e com o terror, os intelectuais que são fascinados por isso, pela própria rebeldia, pela liberdade que devia se concentrar na criação da responsabilidade e não disso aí, mas digamos, o ditado romântico de que a liberdade é infinita e que o ser-humano nasce bom e a sociedade o torna mal, oposto à visão chinesa na qual a pessoa nasce má e durante a vida vai se tornado mais cruel e malvada ainda, Bakunini entrou e disse: “Os verdadeiros aliados dos revolucionários não são nem os camponeses nem os operários porque esses, na primeira oportunidade, querem virar burgueses. Os verdadeiros aliados dos revolucionários são os chamados criminosos”. Lenini, embora fosse contra Stalin (aos 16 anos conseguia fazer as finanças do partido assaltando bancos e carros bancários), logo Lenini disse que isso não podia, que para a unidade do partido tinha que ter o dinheiro do militante. Ele tinha razão, mas ao mesmo tempo, quando ele instala o regime, ele instala o terror sistemático. Então, essas coisas todas hoje em dia, pela dimensão da liberdade sexual, liberdade das artes…e a democracia, na verdade, é a guerra atenuada. Aliás, dizia o famoso alemão que a continuação da luta política natural é a guerra. Aqui se trata de evitar a guerra e todos os conflitos são diluídos e amenizados em negociações incessantes no judiciário, executivo, Parlamento (que é a chave de tudo, é o Congresso) e em 4o lugar, a maior conquista nossa que era a imprensa livre, agora ela é mídia. Então eu acho que a colocação tem que ser totalmente outra. Em coisas positivas, né? Nesse mundo, o inimigo, e nesse seu sistema, é o nazismo e o terrorismo. São os dois inimigos. Envolvendo tudo: o crime, o terrorismo… Porque a liberdade aqui, é a responsabilidade. Eu, em primeiro lugar, sou responsável por tudo. Nem o sistema, nem o Imperialismo, nem a situação econômica, nem qualquer bode-espiatório. É você mesmo. Isso também é a condição primeira para a descoberta do outro. Eu falo da importância de Olavo Bilac, um dos construtores de coisas positivas. Só a respeito da continuação disso, eu vou dar uma palestra sobre o terrorismo, de Bakunini até os nossos dias, e que é interessante que na mesma época ( só se conhece o anarquismo pela bomba, pelo terrorismo, pelo Netchaiev, aliás, na cartilha do discípulo do Bakunini, Netchaiev, o primeiro ítem é: “O terrorista já tem que se considerar um morto. Ele já é um cadáver”.) Ao mesmo tempo, surgiu o contrário: surgiu o anarquismo positivo inventado e criado por um príncipe russo chamado Piotr Kropotkin. Ele escreveu dois livros fundamentais: “A Conquista do Pão” e “A Revolução Francesa”. Ele dizia que: nada de bomba, nada de terror, nada de violência. Ao contrário, tudo pela cultura, pela educação, pelos votos de democracia, pela descentralização que produzia uma autonomia de pessoas auto-responsáveis. É um anarquismo pacifista, culturalista e democrático. Essa é a bandeira do anarquismo. Por isso ele tem dois ramos bem opostos: um com Bakunini e seu discípulo Netchaiev, que é retratado em “O Demônio” de Dostoïeviski, e o Piotr Kropotkin.

Então você não se coloca no lugar dos intelectuais?

Jorge Mautner: Contra o sistema?

É.Jorge Mautner: Não. Eu sou contra o sistema anarquista, sou contra qualquer tirania. Primeiro, eu penso na democracia, no Estado Brasileiro e no bem-estar comum da humanidade. A democracia é inviolável. Tem que ter Congresso, imprensa totalmente livre. Qualquer coisa que saia disso, isso sim, sou contra isso. O que não é a democracia. Acho que a missão do intelectual moderno seria ser contra isso.

Fragmentos do Sabonete”, publicado em 1976, foi uma obra representada da contracultura nos 70. na sua opinião, é possível falar em contracultura hoje?

Jorge Mautner: Não. Nem naquela época. Eu achava gozado – “contracultura”. Eu sou um sujeito muito culto que fica além de várias linhas. É gozadíssimo! É porque havia, por exemplo, o racismo apartheidiano, dizendo: isso é cultura, aquilo não é, é folclore…O que acontece é que me alcunharam assim e eu deixei porque a época era essa, então como moda seria…Mas, na verdade, eu sou culturalista ao máximo. Na verdade eu sou culturalista, existencialista, estoicista, totalmente. E o Kaos, uma visão toda alicerçada na fenomenologia, na importância da cultura brasileira.

Então, nada disso deve ser tratado como novidade.

Jorge Mautner: Não. Na verdade, ao contrário. José Bonifácio de Andrade e Silva já dizia em 1823, que a diferença do Brasil para como os outros países é que nós somos a amálgama. A amálgama é superior à mistura, à miscigenação. Está na Bíblia: “Cada geração tem que conquistar a sua liberdade”. Cada geração precisa reinventar tudo. Claro que, usando a somatória do passado.

Como surgiu a idéia do Revirão?

Jorge Mautner: A idéia do Revirão foi um contato muito incrível, através das sessões de psicanálise com o Dr. M. D. Magno. Mas ele é também um pensador. Então, não só uma homenagem, o realçar da importância da obra dele, da visão muito paralela ao Kaos da minha obra, como do Tropicalismo. Então, uma afinidade de pensamentos desse mundo do séc. XXI.